sexta-feira, julho 25, 2008

 

Opinião

A Banda de Parafita e o Miguel Torga

Em Braga:
Quando se quer arranja-se sem-pre motivo.
Mais uma vez tive o grato prazer de acompanhar no S. João de Braga, a Banda de Música de Parafita, que nós por cá, chamamos de Banda de Montalegre.
Não sei se é por gostar muito de bandas filarmónicas, se é por apelo da terra mãe, certamente as duas coisas juntas, a verdade é que, a presença da Banda me entusiasma e me conduz em invocações bucólicas para os lameiros de Oliveira onde, no Verão guardava o milho, algumas vezes mal, das vacas que teimavam em rejeitar a erva do lameiro para assaltar, em vagas de autêntica cavalaria, as tenras crochas dos milheiros. Uma vez foi uma razia tal que o meu tio Afonso ralhou ao meu avô, seu pai e meu companheiro na pastorícia sazonal das férias grandes que, do outro lado do lameiro tinha tanta atenção, às vezes ao gado como eu. Ficou como história para contar, zurzir e rir sempre que a maré surgia que não é o caso.
Voltemos à banda. Já descrevi, em traços breves, no número anterior, os caminhos da Banda por Braga. Agora venho, no rescaldo da festa acabada, mostrar outra dimensão da passagem da Banda de Música de Parafita por Braga e não é menos dignificante para Parafita e concelho de Montalegre.
Para além do espectáculo, ou melhor das diversas actuações na romaria do S. João, por obrigação do contrato, a banda, em percurso sabiamente elaborado, chegou a vários sítios e instituições da cidade marcando indelevelmente a sua passagem. Desde o Asilo de S. José, passando pelo Feira Nova e Cardoso da Saudade à Casa Transmontana não deixou de encontrar disponibilidade para de modo generoso levar alegria a quem precisa e animação a quem a procura.
A Banda de Parafita e o seu autocarro, bem identificado de Montalegre e da Câmara, deram um inequívoco e precioso contributo para o reforço da coesão do povo imenso de Barroso em Braga, e acicataram o seu orgulho regional. A forma competente e particularmente simpática como se movimentam e comunicam é um excelente veículo divulgador da sua terra em particular e do concelho de Montalegre em geral.
Sabemos que está a Banda de Parafita num momento crucial do seu percurso. Com a construção da sua sede social e com os investimentos na escola da música, as exigências são cada vez maiores aumentando as dificuldades. É hoje que precisa de mais força e persistência dos seus directores, mas também do apoio das gentes de Montalegre e das autoridades. O papel social e o desenvolvimento intelectual das populações que através da Associação Cultural e da Banda de Música se vem tecendo, justifica plenamente o investimento político das forças vivas do concelho com a Câmara Municipal na dianteira, como creio está a acontecer. Todos saem a ganhar.
E o Torga o que tem a ver com a Banda de Música, o S. João de Braga de 2008 e a política de incentivo cultural?
É um devaneio apenas e pretexto para juntar dois símbolos muito diferentes é certo, da cultura que se pratica e passa por Barroso.
Tenho a certeza que Torga gostaria de ver a Banda de Música em Braga, a tocar à desgarrada com outra, a de Cabreiros, também conhecida por Banda de Braga, no mesmo palanque!
Não lembra ao diabo ou é mesmo sinal de que os tempos mudam. Por duas bandas em despique lado a lado.
Em outros tempos era por o lume à beira da estopa. Certamente o Torga, experimentado em outras lides, estaria sempre na expectativa que acontecesse como no longínquo ano de 1956, a 28 de Junho, na Feira do Prémio de Montalegre que ele viveu e descreveu deste modo que proponho aos leitores:
Feira do prémio. As elegâncias bovinas da região num concurso de beleza. Mas coisa a sério! Cada vedeta examinada e medida com um rigorismo de meter Hollywood num chinelo. Torci quanto pude por uma bezerra ruiva - Deus me perdoe a oculta transposição antropomórfica que se estaria a operar no meu subconsciente, fiz de jarrão à mesa do júri, apertei a mão aos donos das beldades eleitas, e, no fim, quando esperava ver coroada com uma chega de toiros a minha abnegação pecuária, arma-se tamanho sarilho entre as duas povoações donas das bisarmas à altura da façanha, que parecia o fim do mundo. No meio de negociações complicadas, em que pus toda a diplomacia de que sou capaz - a escolha do terreno da luta, a verificação de que não havia navalhas de ponta e mola embutidas nas hastes dos cornúpetos, etc.,etc.-, insofrida, a virilidade humana antecipou-se à virilidade dos animais. Nas barbas da autoridade, dispensou galhardamente os actores contratados e, em vez duma turra de bois, ofereceu-me o espectáculo mais sensacional ainda de uma turra de gente. Com esta vantagem para mim: metido também na dança.
Atónito no meio da insólita floresta de varapaus, tratei de me defender como pude das bordoadas, sem medir a grandeza da gene rosidade, e até propenso a considerá-la abusiva. Mas logo que a tempestade amainou, e tive de estancar o sangue no lanhaço de um dos heróis, testemunhei-lhe o meu alarmado reconhecimento. A resposta veio num simples sorriso sibilino, que interpretei desta cândida maneira: já que eu estava tão interessado em conhecer as coisas por dentro...
("Diário VIII", 3ª edição revista, págs. 42/3)
Outros tempos claro. Como já vimos em Braga não houve guerra nem amuos, pelo contrário, as duas bandas terminaram a "desgarrada" com a interpretação em conjunto do Hino de Braga.
Tudo em tranquila concórdia, mas a verdade é que também não havia varapaus para dar corpo a algum bairrismo mais exacerbado.
Braga, 25 de Junho de 2008
Opinião de Rogério Borralheiro

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