segunda-feira, maio 05, 2008

 

Opinião

Caça à multa ou zelo excessivo
Hesitei em escrever esta crónica. Mas andava com ela no pensamento porque vivo, junto ao Estádio D. Afonso Henriques, em Guimarães. Ai me debato, de quinze em quinze dias, com todos os cantos e recantos da via pública, com passeios e passadeiras, com jardins e espaços privados, cheios de automóveis, sem respeito algum pelos direitos cívicos. O futebol nesses dias, antes, durante e depois do jogo, é rei e senhor. Tapam-se os acessos às garagens, muitas vezes se dificulta a entrada ou saída das habitações e, se um cidadão adoece e precisa de ir ao hospital, o veículo em transgressão tem prioridade sobre aqueles que estão nas garagens, pelo que o doente tem de ir a pé ou esperar que o futebol acabe. Ou seja: as regras de trânsito e de estacionamento são violadas, perante chusmas de agentes da autoridade, seja em dias de semana, seja em feriados ou dias santos. Quem vive nas grandes cidades, junto aos campos de futebol, debate-se permanentemente com este drama. Sempre que há futebol em Guimarães, procuro refugiar-me na aldeia, adiantando ou atrasando a hora de partida ou de chegada para não me debater com as garagens barradas e até com dificuldade para entrar em casa.
As leis são universais. As directivas não contemplam o futebol, como excepção. Contudo os agentes da autoridade assistem a esses pandemónios, fecham os olhos a centenas de transgressões, nalguns casos até são eles que indicam um ou outro espaço livre para quem chega atrasado. Tudo numa deprimente violação legal e cívica que contrasta com a pacatez de uma aldeia ou vila do interior, onde todos se conhecem e onde o bom senso, habitualmente prevalece (ou deve prevalecer). Porque a vida social dos grandes meios exige muita mais disciplina do que nas zonas rurais ou ruralizados, onde deve reinar harmonia, tranquilidade singular e colectiva, tolerância, entreajuda, solidariedade. Sem que estas posturas violem as convenções legais.
Esta pedagogia social anda-me no espírito desde há muitos anos. Porque sou barrosão, filho de um Povo sofredor que foi tratado com dureza, ao longo de séculos, onde os seus habitantes foram educados para cumprirem sem regatearem, ética que ainda hoje nos permite aplicar o princípio de que vale mais a palavra oral do que a escrita.
Como jornalista com 54 anos de exercício permanente gosto de reflectir em voz alta as experiências do quotidiano. E se os bons exemplos me comovem a ponto de os proclamar como louváveis, também um ou outro menos recomendável me deve inspirar para que os «generais da cidade» saibam interpretar a realidade dos pequenos meios, com o espírito rural que as suas populações transportam ancestralmente.
O exemplo que ditou esta crónica: dia 30 de Março tive de ir a Montalegre levar uma encomenda à Câmara Municipal. Era Domingo e mudou a hora. Parti de Guimarães às 9,30 h. Fui recebido com um frio de rachar e uma neve que prenderam à cama os Barrosões. Cheguei às 10, 53h e estacionei o carro atrás da Câmara, juntinho a umas escadas para descarregar doze pacotes de livros que a autarquia me encomendara. Na véspera combinara com uma funcionária para, por favor, me ir abrir a porta para descarregar os livros. A correr, porque a neve caía e o frio era intenso, fui ao quiosque, que dista a uns 30 metros daquelas escadas, perto das quais parara o carro. Demorei apenas o tempo necessário para comprar o jornal e perguntar onde morava a simpática funcionária. Informado, logo arranquei para a residência dela, evitando que ela saísse de casa, com aquele mau tempo. Levava comigo dois amigos que dia 15 ficaram tão atónitos como eu, quando recebi uma carta registada da GNR de Montalegre, notificando-me para pagar 30 euros porque o «condutor acima mencionado parou e estacionou, às 09,55 h em local destinado ao transito de peões». Uma verdade e uma mentira. De facto parei com 2 rodas em cima do passeio, não em cima de passadeira, no máximo 5 minutos. E junto às escadas para descarregar os livros. Mas não às 09,55 h horas como o zeloso agente escreveu no auto. A essa hora estava eu e os meus dois amigos em Salto. E tínhamos acertado os relógios...
Confesso que não vimos naqueles instantes, nenhum agente da autoridade, (a não ser que tenha passado de carro e tenha tirado a matrícula), como não vimos ninguém mais porque foram brevíssimos momentos. Não havia qualquer movimento, de peões ou de viaturas. Se tivesse deixado um papelinho ou se saísse da sua viatura para questionar o transgressor, talvez evitasse esta crónica que não pretende ofender a Instituição, antes dizer-lhe que foi preciso ir à minha terra para, aos 70 anos, pagar a primeira multa em 42 anos de condutor. Poderia recorrer dela. Tenho duas testemunhas idóneas que ficaram a rir-se do contraste entre a bagunça da cidade e a pacatez de uma vila nortenha. Fui prestar um serviço público, com muito gosto, à minha Terra. Não era dia de bruxas. Como não vi nenhum agente, nem ele me viu, parto do princípio de que não foi perseguição. Antes será caça à multa a carros estranhos para justificar serviço. Em vez de contestar, paguei, para evitar burocracia a mais, num país onde o zé-povinho continua a ser fustigado pelo rigor das normas. Um aviso aos emigrantes ou turistas que facilitem, no pressuposto de que numa vila do interior do país as autoridades são mais tolerantes do que na cidade, sobretudo em dias de futebol. Soube que até há pouco o autuante era obrigado a deixar um aviso na viatura. Actualmente inverteram-se as coisas: se o agente deixar o aviso sujeita-se a um processo disciplinar. É por estas e por outras que o país vai de mal a pior. E é também por isso que exerço o meu direito à indignação.
Por Barroso da Fonte

Comments:
Caro Dr. Barroso da Fonte,

A lei é para todos! Devia, em vez de criticar a actitude, elogiar quem num dia de tanto frio como relatou, onde Montalegre dormia, como narrou... fez o que devia ser feito: fez cumprir a lei. Estranho, tendo no seio de sua familia um tão garboso ex-agente da GNR de Montalegre, que primava pelo cumprimento intransigente da lei, que não se desviava um milimetro que fosse do que devia ser feito... Estranho, como dizia, o seu direito à indignação!

Com consideração,

Pedro Teixeira
 
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