sábado, maio 19, 2007

 

Opinião

A profanação da História de Portugal

Quanto mais doutorismo maior ignorância. Até há uns anos atrás estudava-se para se saber mais, porque havia a consciência cívica de que todos temos obrigação de acrescentar algo àquilo que já se conhece. A essa obrigação cívica chama-se progresso. Actualmente prevalece o vale tudo. Reduz-se ao número de anos na carreira académica, promovem-se cursos de requalificação apressada, certificam-se em sábios, verdadeiros analfabetos… é um ver se ter avias…
Por outro lado é a ganância editorial. Criam-se empresas gráficas à sombra da influência política. E como não há mercado para ocupar essas empresas, quase se aliciam autores e editores que nada percebem da poda. Mas como a política faz favores a quem é servil, eis que mais uma praga se ergue contra a própria História de Portugal.
Alguns exemplos.
A pretexto das «7 maravilhas de Portugal - o país das maravilhas» caiu de para quedas uma editora com nome estrangeirado que resolveu produzir 21 pequenos livros, de capa dura, com 74 páginas cada, no formato de 19 X 14, a cores, com os títulos dos 21 monumentos seleccionados para a eleição das «7 maravilhas de Portugal». Essa obra é patrocinada pelo Ministério da Cultura, pelo Ippar, pelo Turismo de Portugal, pela Caixa Geral de Depósitos, pela edp, pelos Jogos da Santa casa e pela Modelo. No segundo opúsculo a Ministra da Cultura ocupa 2 das 74 páginas para exaltar o projecto, e, certamente, para justificar patrocínio. A obra é distribuída como encarte pago nas edições do JN e do DN das quartas e sextas feiras ao preço de 3,50 euros. O primeiro volume tem por título: «Castelo de Guimarães». Mas ao castelo apenas dedica 6 páginas, sendo 3 fotos e 3 de texto. E as 3 de texto desdizem em vez de dizerem aquilo que todos aprendemos e lemos ao longo de quase nove séculos. Veja-se a barbárie: «por uma vez engana-se a voz popular! Na realidade o templo (Igreja de S. Miguel) começou a ter forma em 1232, 130 anos depois do nascimento daquele que viria a ser o primeiro rei de Portugal». Ora é sabido (e nunca desmentido) que ali foi baptizado D. Afonso Henriques, (entre 1106-1111). Encontram-se lá a pia e a legenda, desde 1664. E Câmara Municipal a patrocinar esta blasfémia histórica.
Outra Editora, igualmente com nome estrangeiro, (Everest) veio por aí acima, obteve boas gravuras, mas escreveu texto muito deficitário, sem citar qualquer fonte. Tem distribuidora perspicaz. E até as livrarias locais, preferem colocar nas montras esse «Guimarães» indocumentado, a tantos autores locais, como: Luiz de Pina, Alfredo Guimarães, António-Lino, etc. etc.
As Selecções do Reader’s Digest publicaram «Lugares Históricos de Portugal», um volume cujo preço de capa ronda os 50 euros. É, de facto, uma obra vistosa e com um nome sonante, como autor: José Hermano Saraiva. Logo na página 12 coloca a escultura de Afonso Henriques. Mas ,na legenda, em vez de atribuir a autoria ao conhecidíssimo Soares dos Reis, atribui-a a Álvaro de Brée que produziu – isso sim – a escultura de Mumadona, actualmente encurralada, em frente ao palácio de Justiça, cujo plano urbanístico contradiz, em absoluto, a fama do seu autor: Siza Vieira.
O Circulo dos Leitores acabou de produzir uma obra de peso: Portugal: património. Dois autores assinam os seus textos: Álvaro Almeida e Duarte Belo. No volume em que mostram Guimarães, cometem um erro de palmatória: querendo exaltar a obra do regime vigente, chamam, na legenda, Palácio de Vila Flor ao Tribunal da Relação. Ora este situa-se no Largo João Franco – Rua da Rainha. Aquele fica a cerca de um quilómetro de distância, perto da estação da CP.
Um último caso fica para próxima crónica, uma vez que Almeida Fernandes vai reaparecer com um livro «revolucionário», onde apregoa, a pé firme que Afonso Henriques, afinal, nasceu em Viseu, em Agosto de 1109.
Estes são alguns exemplos de como maltratamos a História que é um dos maiores valores que nos restam. É evidente que quase todos os livros têm gralhas que são letras trocadas, palavras ou frases que saltam, vírgulas ou outros sinais de pontuação que os próprios computadores executam, num pequeno descuido que se cometa. Há um ditado que diz: «um livro sem gralhas é como uma terra de centeio sem cornelhos». Mas há que distinguir as «gralhas» dos erros grosseiros, resultantes da ignorância, do atrevimento e do oportunismo.
Opinião de Barroso da Fonte

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